segunda-feira, 1 de julho de 2013

Você é você mesmo?

Quando éramos pequenos, nossas mães costumavam nos dizer: "Mentir é feio, não se deve esconder a verdade!" Lembra disso? E quando fazíamos algo errado: "Que coisa mais feia, você não pode responder pra mamãe, não pode ser assim!"... A grande verdade é que nossos pais (principalmente nossa mãe), nossos parentes, a escola, a sociedade em geral molda nossa personalidade ao longo de nosso processo de crescimento e amadurecimento. Aprendemos regras de conduta, de educação, temos noções básicas do que é ser bom (ou mau) caráter, somos expostos a modelos do que é ser "bem-sucedido". Aos poucos vamos nos moldando, entrando no sistema, ficando no "padrão" esperado por todos. Até que ponto isso é bom? Até que ponto isso é ruim?

Na infância, somos controlados por nossos pais e professores, e não costumamos questionar muito a autoridade nem o teor das ordens que recebemos (claro que existem crianças "da pá virada", mas são exceções, hehehe). É na adolescência que firmamos nossa personalidade, nossos gostos, nossas preferências, nossas reações perante tudo aquilo que observamos e experimentamos. Compreendemos que não somos uma extensão de nossos pais, nos reconhecemos seres únicos, indivíduos, e iniciamos um processo de emancipação. Escolhemos uma carreira e seguimos em frente, rumo à vida adulta. Chegamos a essa fase e somos obrigados a lidar com muitas frustrações. A vida adulta exige de nós sacrifícios incríveis! Somos obrigados a vestir uma máscara social muitas vezes apertada e incômoda a fim de garantir nossa sobrevivência. Vamos dançando conforme a música, aprendemos a agir de acordo com aquilo que esperam de nós e vamos nos largando, nos despersonalizando, nos mutilando inconscientemente dia após dia. A vida é assim mesmo? Tem que ser assim? Quem disse?




Obviamente as máscaras sociais são úteis, necessárias e altamente recomendadas em certos ambientes e situações. Não dá para ser supersincero o tempo todo, falando tudo o que pensamos sobre as coisas e pessoas, magoando e ofendendo os outros sem nenhum tipo de filtro. Isso não é sinceridade, é falta de noção. Não podemos viver do jeito que quisermos, desrespeitando a lei ou as normas sociais, sem nos importarmos com o andamento pacífico da sociedade. Imagine se você pudesse agir da forma que julgasse adequada em seu trabalho, por exemplo. Se não houvesse nenhum tipo de freio, de filtro, as pessoas iriam se degladiar diariamente, não iriam? É preciso usar as máscaras sociais, isso é fato. O grande problema é quando essas máscaras se adaptam totalmente ao seu rosto e SE TORNAM, efetivamente, sua personalidade automática. Como isso pode acontecer?

Bem, vamos supor que você seja super inteligente e criativo e, a fim de manter seu emprego, você tem que fingir ser um pouco mais limitado intelectualmente. Vamos supor, nesse contexto, que você tenha um chefe ou superior direto que possui uma inteligência rudimentar e que se sente ressentido pelas suas qualidades. O que você faz? Você se nivela por baixo. Você tem um rendimento aquém do que deveria para não perder seu emprego, sua fonte de renda. Isso é válido? Sim, se o salário for o ponto mais importante para você. Mas se você for uma pessoa que preza pela satisfação, pela alegria de executar um trabalho bem feito, aos poucos começará a se sentir tolhido, amarrado, ressentido e, por fim, revoltado. Daí vêm o stress, as doenças, a raiva, a vontade de dar uma bica em tudo. O problema não é o burro do seu chefe, o problema não é a crise do país, o problema não é o trânsito que você pega todo dia para chegar ao serviço. O problema é que você está reprimindo sua verdadeira personalidade, está vivendo um personagem que não é você!

Coisas piores acontecem em relacionamentos pessoais. Quando a gente se apaixona, tudo são flores. Com os óculos da paixão, enxergamos o outro como a perfeição absoluta que encarnou na Terra. É ou não é? Daí nos casamos, assumimos compromissos, prometemos mundos e fundos para aquela pessoa. O tempo passa e você percebe que aquele ser não tem muito a ver com você. Vocês não gostam das mesmas coisas, não têm o mesmo tipo de humor, não compartilham dos mesmos interesses, não enxergam questões importantes (expressão da sexualidade, modo de gastar dinheiro, objetivos a longo prazo, religião, relação com a família, etc) da mesma maneira. Aos poucos, você se sente frustrado por ter se "amarrado" com aquele indivíduo. Você ou o outro pode até tentar mudar, fazer um "ajustamento" para evitar brigas e discussões, fazer pequenas concessões para melhorar a convivência. Mas, no fundo, você vai ficando com raiva, vai percebendo que não pode se expressar livremente, vai sacando que está se reprimindo para satisfazer o outro. Claro que uma hora ou outra a revolta explode! Quem aguenta viver assim? Nossos relacionamentos amorosos/ de amizade devem ser antifóbicos, devem ser aquele lugar gostoso onde tiramos as nossas máscaras e somos aceitos, amados e apreciados com todos os nossos defeitos, qualidades, tosquices e fragilidades, e não MAIS UM lugar onde precisamos vestir uma máscara qualquer. Pra quê ficar com uma pessoa que simplesmente não nos aceita como somos? Se uma pessoa não te aceita como você é, se vive te criticando, discordando de você, querendo que você mude, é óbvio que ela não te ama. Amar é aceitar o outro na plena expressão de sua individualidade!

É muito ruim você se perceber em um relacionamento onde o outro não te enxerga, não te valoriza e não te aceita pelo que você é. Já tive um relacionamento assim, e juro que não quero passar outra vez pela mesma experiência. Eu namorei um cara que era super diferente de mim na maioria das coisas. No começo, era ótimo: todo começo é uma alegria só. Com o tempo, fui percebendo que ele queria me mudar. Ele criticava minhas roupas, meu jeito de falar, minha mania de fazer brincadeiras e palhaçadas, os livros que eu lia, as música que eu ouvia, os amigos e amigas que eu tinha. Claro que as críticas começaram com pequenos comentários aqui e ali, mas em questão de meses o negócio foi ficando insuportável. Na ânsia de agradar ao outro e manter o relacionamento, fui mudando, fui me tornando uma pessoa mais "adequada" ao sonho ideal que ele tinha. Fiquei feliz com isso? Claro que não! Me tornei uma pessoa triste, amargurada, revoltada, reclamona. Tive uma crise interna bastante intensa e é claro que não aguentamos muito tempo. Pensei: "Imagina se eu tiver um filho com ele, como iremos educar essa criança? Segundo os padrões que ELE tem ou segundo os MEUS? Se não concordamos, é óbvio que isso NUNCA vai dar certo!" Com tudo isso, aprendi uma valiosa lição: sempre tento ser eu mesma, em todas as situações. Não vale a pena fingir ser outra pessoa! Nenhuma máscara se sustenta por muito tempo!

O poema "Retrato", de Cecília Meireles, mostra bem essa dinâmica de despersonalização que sofremos em um relacionamento amoroso destrutivo:


Retrato

"Eu não tinha este rosto de hoje, 
assim calmo, assim triste, assim magro, 
nem estes olhos tão vazios, nem o lábio amargo.


Eu não tinha estas mãos sem força, 
tão paradas e frias e mortas; 
eu não tinha este coração que nem se mostra. 


Eu não dei por esta mudança, 
tão simples, tão certa, tão fácil: 
Em que espelho ficou perdida a minha face?"


E qual é a solução para esse impasse?
Bom, em primeiro lugar, devemos nos conhecer. O autoconhecimento é essencial para identificarmos onde estão nossos vícios, nossas tendências, nossos limites. Quem não se conhece, nunca conseguirá delimitar até onde o outro pode entrar, onde é o limite da influência e da dominação alheia. Devemos também escolher amigos e parceiros amorosos que sejam parecidos conosco, que compartilhem afinidades com a gente, a fim de desenvolvermos relacionamentos mais íntegros, proveitosos e prazenteiros. Devemos também conhecer e aceitar nossa própria sombra. Todos temos aquele lado sombrio, perverso, que deve ser reconhecido, respeitado e trazido à tona. Ninguém é santo nem nunca será. Lidar com a própria sombra é uma das experiências mais enriquecedoras que podermos ter na vida! E achar alguém que nos veja, nos enxergue e nos respeite quando estamos sem nossas máscaras é o ápice da intimidade e da satisfação. Às vezes, casais que estão juntos há anos simplesmente não se conhecem, não têm a MENOR ideia do que realmente passa pela cabeça do outro! Tem coisa mais frustrante?

Por fim, o respeito por si próprio é fundamental. Respeite-se, aceite-se com suas qualidades e seus defeitos e tente, na medida do possível, expressar-se com integridade (sem prejudicar a si mesmo e   nem aos outros, é evidente!). Não finja ser o que não é somente pra impressionar a plateia! Ok, a família do seu parceiro espera que você seja assim ou assado? Se isso te traz angústia, não seja um mico adestrado de circo, aja de acordo com sua natureza, defenda suas convicções! Vão gostar menos de você, vão se decepcionar? Paciência! Melhor os outros se decepcionarem com você do que VOCÊ se decepcionar consigo mesmo e desenvolver uma bela de uma gastrite ou então ter que beber todos os dias para esquecer o desgosto de ser quem o mundo quis que você fosse!

Nada é eterno, a vida está em constante mudança. Tome as rédeas da sua vida e MUDE! Seja você mesmo, sempre!


Torna-te quem tu és!

(Friedrich Nietzsche)




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