sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Resenha: Os 50 tons de cinza

Todo mundo já falou ou está falando da Trilogia criada pela inglesa Erika Leonard James: os 50 tons de cinza. Como boa curiosa que sou, claro que quis ler para ver o motivo de tanto estardalhaço. E não, não li só o primeiro livro - li os três. O que achei? UM LIXO!



Bem, em primeiro lugar: acredito que esse livro tenha vendido milhões de exemplares mundo afora justamente por causa da curiosidade das pessoas. Todo mundo começou a comentar, e todos sabemos que a sacanagem tem o poder de despertar a curiosidade de todos, especialmente dos mais reprimidos. Até aí tudo bem, todo mundo deve e pode ser curioso, é através da curiosidade que aprendemos coisas novas, certo? Mas o que fazer com aquelas mulheres que AMARAM a obra e elegeram Christian Grey como o homem de seus sonhos? OMG!

Christian Grey é um milionário rude e controlador que possui um império gigante de empresas de vários gêneros. Ele é forte, bonito, charmoso, sedutor e ridiculamente rico. Costuma selecionar moças brancas, de cabelos pretos e olhos azuis para serem suas "submissas". Exige obediência total dessas infelizes, mas em troca oferece carros, roupas, passeios e sexo selvagem. 

É incrível que depois de tanta luta pelos "direitos femininos", mulheres do mundo todo sonhem em arranjar um parceiro grosso, desatencioso, dominador, estúpido, mimado, autoritário e indisponível emocionalmente como Mr. Grey. O que pode explicar isso? Será que elas carregam dentro de si o sonho de arranjar um marido como provedor? Só pode ser, pois há décadas atrás se usava esse tipo de relacionamento: a mulher submissa que aguenta qualquer coisa em troca da estabilidade de ser sustentada por um provedor. 

A gente anda pela rua e vê várias mulheres carregando algum livro da série, ostentando seu direito de gostar de uma boa "sacanagem". De certo modo, é uma transgressão portar um livro de conteúdo erótico. Juntamente com fotos de biquini nas redes sociais e a corrida por um corpo perfeito, essas mulheres acreditam, no fundo de seus corações, que serão mais desejadas se mostrarem interesse por literatura erótica. Será que serão, mesmo? E o que está implícito na obra, ninguém percebeu?

Num mundo onde mulheres se fingem de emancipadas mas se derretem por homens ricos e ostentadores, 50 tons de cinza aparece para reafirmar o fato de que ainda existe um grande número de mulheres que estão dispostas a ser uma linda Barbie de silicone plástico a fim de fisgar o marido mais rico possível. Onde fica o respeito por si própria? Será que vale a pena se vender para o primeiro "bom partido" que aparecer? Onde fica a dignidade humana?

O pior de tudo é a evolução da trama. No primeiro livro o cara é um doente mental, vive numa realidade paralela onde as mulheres são corpos prontos a serem usados e espancados. No livro dois, a autora faz uma tentativa pueril de explicar e justificar o mau comportamento de seu heroi mostrando que ele sofreu na infância, foi abandonado, foi rejeitado, etc etc (imagine só se a moda pega: o cara foi rejeitado na infância e por isso pode fazer o que quiser para balancear seu trauma). Já no livro três, incentivado pela força do AMOR, Christian se emenda e se torna um marido e pai exemplar. Ninguém mais carinhoso, atencioso e cortês. Assim como acontecia nos romances do século XVIII, O AMOR VENCEU! pffff

Escrever uma obra assim é, realmente, um desserviço para as mulheres. Como se já não bastasse a nossa criação cheia de fantasias e romantismos, vem um livro desses que afirma, com todas as letras, que uma mulher deve se submeter e perseverar até seu homem SE TORNAR um príncipe encantado. Será que um doente mental realmente tem a possibilidade de se curar com a força do AMOR e da PACIÊNCIA? Será que essas mulheres que adoram essa obra nunca leram nada sobre um fenômeno psicológico chamado CO-DEPENDÊNCIA? Qualquer pessoa que tem/teve um alcoólatra na família sabe do que estou falando. 

50 tons de cinza é um livro muito mal escrito. A trama é fraca, não se sustenta. Os personagens são patéticos. Mesmo as cenas de sexo (o grande chamariz da obra) são muito repetitivas. Tudo muito igual, tudo muito forçado. O final é inacreditável, é uma coisa impossível de acontecer na vida real. É um conto da carochinha. Como as pessoas podem adorar uma história assim?

Para as sonhadoras de plantão, recomendo a leitura de 3 livros-chave para apagar TODAS as ilusões a respeito de homens desajustados que se tornam príncipes (clique no link para abrir uma cópia em PDF):

- Mulheres que amam demais, de Robin Norwood: este livro é fantástico. É o primeiro a ser lido, sem a menor sombra de dúvidas;

- Quem me roubou de mim?, de Fábio de Melo: obra excelente, fala sobre as prisões que nossos relacionamentos se tornam;

- Socorro! Me apaixonei por um narcisista!, de Steven Carter e Julia Sokol: ótimo manual para reconhecer um narcisista tóxico capaz de envenenar a sua vida.

Veja também a excelente crítica que Felipe Neto fez sobre o tema em seu canal no youtube: http://www.youtube.com/watch?v=cbPOnKzQIj0

De qualquer modo, má literatura é melhor do que nenhuma. Num mundo onde peitos e bundas enormes valem mais do que cultura ou educação, 50 tons de cinza pelo menos fez mulheres alienadas "gastarem" alguns minutos de seus dias lendo um livro. Obviamente mulheres cultas podem ter lido e até gostado da obra (duvido, mas pode ser)... Será? Uma pessoa que leu pelo menos uns 10 livros inteiros na vida vai perceber o quanto essa trilogia é fraca. Enfim...

Onde esse mundo vai parar?

Uma última pergunta: se Christian fosse um gari ou um cobrador de lotação, Anastasia estaria disposta a realizar todos os seus desejos, de maneira tão apaixonada? O amor dela seria mesmo incondicional? Pense nisso.



quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Resenha: Socorro! Me apaixonei por um narcisista!

Há alguns dias terminei de ler um livro muito bom que fala sobre uma das grandes chagas da humanidade atualmente: o Narcisismo. Numa era em que o culto à imagem toma conta da população como uma epidemia, aprender a identificar e a lidar com os narcisistas é uma tábua de salvação. Mas o que é um narcisista?
O Narcisista, superficialmente falando, é aquele indivíduo que só pensa em si próprio. Ele crê veementemente que é superior a todas as outras pessoas. Suas opiniões estão sempre corretas, suas ações são sempre justificáveis (não importa o que ele fez) e ninguém no mundo tem capacidade mental para entender sua moral "diferenciada". São pessoas que sugam aqueles que tentam se aproximar, manipulando e decepcionando sem a menor pena as expectativas alheias. Eles fazem um mundo de promessas; sabem ser gentis e corteses quando querem. São muito sedutores, têm uma lábia bastante desenvolvida, sabem ser cálidos e envolventes. Porém, quando percebem que suas "vítimas" estão apaixonadas/envolvidas, se transformam num poço de grosseria e indiferença.
Freud estudou bastante sobre essas criaturas, há bastante material disponível sobre o tema. Neste livro "Socorro! Me apaixonei por um narcisista!", os autores explicam as diversas facetas deste distúrbio. Sim, o Narcisismo Tóxico é considerado um distúrbio psíquico e NÃO tem cura. A única coisa que podemos fazer para nos proteger é nos afastar, sem dó nem piedade, caso contrário nos tornaremos co-dependentes do comportamento doentio do outro.




O livro disponibiliza um pequeno questionário para ajudar o leitor a identificar se seu parceiro (a) tem características narcisistas. Veja:
1) É você quem mais cultiva e alimenta o relacionamento?
2) Você se sente emocionalmente exaurido pelo esforço que tem que fazer para manter seu parceiro feliz?
3) Você sente com frequência que ninguém pensa em como fazê-lo feliz?
4) O relacionamento está fundamentalmente organizado em torno dos interesses e atividades do seu parceiro (ou da ausência deles)?
5) Você, frequentemente, se sente controlado pela disposição de ânimo e pelas ideias de seu parceiro?
6) Outras pessoas também acham que seu parceiro é uma pessoa difícil?
7) Com que frequência você precisa encobrir a instabilidade emocional ou o comportamento inadequado de seu parceiro?
8) Você percebe o egoísmo de seu parceiro na hora de lidar com os outros?
9) Seu parceiro toma decisões unilaterais que afetam sua segurança e seu bem-estar?
10) Às vezes, sua noção de segurança pessoal é ameaçada por algo que seu parceiro faz (como dirigir de forma imprudente, ter atitudes agressivas ou um comportamento que causa dependência)?
11) Você se sente frustrado com a relutância, ou mesmo com a recusa, de seu parceiro em aceitar sua boa vontade e suas boas intenções?
12) Você, com frequência, tenta "voltar" ao ponto em que estava no início do relacionamento, quando seu parceiro parecia contemplá-lo com olhos amorosos e idealizá-lo?

Este livro é realmente muito interessante. Tão interessante que estou pesquisando bastante sobre o tema. É natural as pessoas serem egoístas, pensarem sempre nelas mesmas, na verdade é uma característica de nossa sociedade atual. Mas vemos por aí sujeitos que passam dos limites. É assustador ver o quanto esses seres se acham superiores a tudo e a todos, o quanto eles se acham especiais, o quanto eles se acham acima do bem e do mal. E é igualmente chocante ver a falta de empatia que eles têm pelos sentimentos dos outros, pelos valores dos outros, pela vida dos outros. Com esta leitura pude entender o motivo de muitas coisas que para mim permaneciam inexplicadas. Infelizmente, não dá pra acreditar que todas as pessoas são legais e boazinhas, e livros como este nos ajudam a separar o joio do trigo, prestando mais atenção aos sinais que os outros nos dão. Vale a leitura!

sábado, 2 de fevereiro de 2013

Ler deveria ser proibido

A pensar fundo na questão, eu diria que ler devia ser proibido.
Afinal de contas, ler faz muito mal às pessoas: acorda os homens para realidades impossíveis, tornando-os incapazes de suportar o mundo insosso e ordinário em que vivem. A leitura induz à loucura, desloca o homem do humilde lugar que lhe fora destinado no corpo social. Não me deixam mentir os exemplos de Dom Quixote e Madame Bovary. O primeiro, coitado, de tanto ler aventuras de cavalheiros que jamais existiram meteu-se pelo mundo afora, a crer-se capaz de reformar o mundo, quilha de ossos que mal sustinha a si e ao pobre Rocinante. Quanto à pobre Emma Bovary, tomou-se esposa inútil para fofocas e bordados, perdendo-se em delírios sobre bailes e amores cortesãos.
Ler realmente não faz bem. A criança que lê pode se tornar um adulto perigoso, inconformado com os problemas do mundo, induzido a crer que tudo pode ser de outra forma. Afinal de contas, a leitura desenvolve um poder incontrolável. Liberta o homem excessivamente. Sem a leitura, ele morreria feliz, ignorante dos grilhões que o encerram. Sem a leitura, ainda, estaria mais afeito à realidade quotidiana, se dedicaria ao trabalho com afinco, sem procurar enriquecê-la com cabriolas da imaginação.
Sem ler, o homem jamais saberia a extensão do prazer. Não experimentaria nunca o sumo Bem de Aristóteles: o conhecer. Mas para quê conhecer se, na maior parte dos casos, o que necessita é apenas executar ordens? Se o que deve, enfim, é fazer o que dele esperam e nada mais? 
Ler pode provocar o inesperado. Pode fazer com que o homem crie atalhos para caminhos que devem, necessariamente, ser longos. Ler pode gerar a invenção. Pode estimular a imaginação de forma a levar o ser humano além do que lhe é devido. 
Além disso, os livros estimulam o sonho, a imaginação, a fantasia. Nos transportam a paraísos misteriosos, nos fazem enxergar unicórnios azuis e palácios de cristal. Nos fazem acreditar que a vida é mais do que um punhado de pó em movimento. Que há algo a descobrir. Há horizontes para além das montanhas, há estrelas por trás das nuvens. Estrelas jamais percebidas. É preciso desconfiar desse pendor para o absurdo que nos impede de aceitar nossas realidades cruas. 
Não, não dêem mais livros às escolas. Pais, não leiam para os seus filhos, pode levá-los a desenvolver esse gosto pela aventura e pela descoberta que fez do homem um animal diferente. Antes estivesse ainda a passear de quatro patas, sem noção de progresso e civilização, mas tampouco sem conhecer guerras, destruição, violência. Professores, não contem histórias, pode estimular uma curiosidade indesejável em seres que a vida destinou para a repetição e para o trabalho duro. 
Ler pode ser um problema, pode gerar seres humanos conscientes demais dos seus direitos políticos em um mundo administrado, onde ser livre não passa de uma ficção sem nenhuma verosimilhança. Seria impossível controlar e organizar a sociedade se todos os seres humanos soubessem o que desejam. Se todos se pusessem a articular bem suas demandas, a fincar sua posição no mundo, a fazer dos discursos os instrumentos de conquista de sua liberdade. 
O mundo já vai por um bom caminho. Cada vez mais as pessoas lêem por razões utilitárias: para compreender formulários, contratos, bulas de remédio, projetos, manuais etc. Observem as filas, um dos pequenos cancros da civilização contemporânea. Bastaria um livro para que todos se vissem magicamente transportados para outras dimensões, menos incômodas. E esse o tapete mágico, o pó de pirlimpimpim, a máquina do tempo. Para o homem que lê, não há fronteiras, não há cortes, prisões tampouco. O que é mais subversivo do que a leitura? 
É preciso compreender que ler para se enriquecer culturalmente ou para se divertir deve ser um privilégio concedido apenas a alguns, jamais àqueles que desenvolvem trabalhos práticos ou manuais. Seja em filas, em metros, ou no silêncio da alcova. Ler deve ser coisa rara, não para qualquer um. 
Afinal de contas, a leitura é um poder, e o poder é para poucos. 
Para obedecer não é preciso enxergar, o silêncio é a linguagem da submissão. Para executar ordens, a palavra é inútil. 
Além disso, a leitura promove a comunicação de dores e alegrias, tantos outros sentimentos. A leitura é obscena. Expõe o íntimo, torna coletivo o individual e público, o secreto, o próprio. A leitura ameaça os indivíduos, porque os faz identificar sua história a outras histórias. Torna-os capazes de compreender e aceitar o mundo do Outro. Sim, a leitura devia ser proibida. 
Ler pode tornar o homem perigosamente humano. 
(Guiomar de Grammon)