quinta-feira, 29 de outubro de 2015

O que é a Gestalt-Terapia?

No século XVIII, o filósofo alemão Immanuel Kant revolucionou o pensamento acerca do mundo ao observar que nunca sabemos o que realmente está "do lado de fora" de nós mesmos, porque o nosso conhecimento é limitado pelas fronteiras da mente e dos sentidos. Não sabemos como são as coisas "em si mesmas", mas sim como as experimentamos. Essa visão constitui a base da Gestalt-Terapia, segundo a qual é essencial nos lembrarmos de que a complexidade da experiência humana - com todas as suas tragédias, traumas, inspirações, paixões e infinitas possibilidades - nos aparece codificada pelas "lentes" individuais por meio das quais a enxergamos. Não absorvemos automaticamente todos os sons, sentimentos e imagens do mundo; nós os sondamos e selecionamos apenas alguns.
Segundo Fritz Perls, um dos fundadores da Gestalt-Terapia, isso significa que nossa sensação pessoal de realidade é criada pela nossa percepção; pela maneira como enxergamos as nossas experiências, e não pelos eventos em si. No entanto, é fácil esquecer isso, ou mesmo não ser capaz de reconhecê-lo. Perls disse que tendemos a confundir o nosso ponto de vista sobre o mundo com a verdade absoluta, em vez de reconhecer a importância da percepção e sua influência na criação de nossa perspectiva, assim como em todas as ideias, ações e crenças que dela decorrem. Para ele, a única verdade que alguém pode ter é sua própria verdade pessoal.




Reconhecendo o poder

A teoria da Gestalt usa os princípios da experiência, da percepção e da responsabilidade individual - tanto no que se refere a pensamentos quanto a sentimentos - para incentivar o crescimento pessoal por meio do estabelecimento de um senso de controle interno. Perls acreditava ser possível aprender a controlar as experiências internas, independentemente do ambiente externo. Quando compreendemos que a nossa percepção configura a nossa experiência, passamos a ver que os papeis que desempenhamos e as ações que realizamos são ferramentas que podemos utilizar de modo consciente para modificar a realidade. O controle sobre nosso próprio ambiente psíquico nos confere poder sobre duas escolhas: como interpretar o ambiente e como reagir a ele. A expressão "ninguém pode deixar você bravo, só você mesmo" é um perfeito exemplo dessa filosofia, e sua veracidade pode ser confirmada pelas diferentes reações das pessoas, por exemplo, a engarrafamentos, a más notícias ou a críticas pessoais. 
Na Gestalt-Terapia, o sujeito é obrigado a assumir responsabilidade direta pela forma como age e reage, não importa o que aconteça. Perls chamava esta habilidade de manter estabilidade emocional independentemente do ambiente de "homeostase" - um termo biológico usado, em geral, para descrever a manutenção de um ambiente físico estável no interior do corpo. Isso implica um delicado equilíbrio entre sistemas diversos e é dessa maneira que a Gestalt-Terapia compreende a mente. Seu objetivo é encontrar maneiras de equilibrar a mente passando pelos diversos pensamentos, sentimentos e percepções que constituem a totalidade da experiência humana. Sua visão do indivíduo é holística: tem foco no todo, e não apenas nas partes.
Perls julgava que sua tarefa era auxiliar seus pacientes a tomar consciência do poder de suas percepções e de como elas moldam a realidade (ou o que entendemos por "realidade"). Com isso, seus pacientes tornavam-se capazes de controlar a configuração de suas paisagens interiores. Ao assumir a responsabilidade por suas noções perceptivas da realidade, os pacientes podiam criar a realidade que bem entendessem.
Perls ajudava seus pacientes a atingir esse estado ensinando-lhes todos os processos da Gestalt-Terapia. O primeiro e mais importante é aprender a cultivar a consciência e concentrá-la sobre os sentimentos correntes. Isso permite que o indivíduo experimente diretamente os seus sentimentos e perceba a realidade do tempo presente. Esta habilidade de estar "aqui agora" é crucial no processo da Gestalt; é a aguçada consciência emocional que constitui as bases para o entendimento de como cada um cria e reage ao ambiente. É ela também o caminho para aprendermos como modificar as maneiras de experimentarmos a nós mesmos e ao nosso ambiente.
Perls julgava que a capacidade de entrar em contato com sentimentos autênticos - emoções e pensamentos verdadeiros - era mais importante para o crescimento pessoal do que as explicações psicológicas ou os feedbacks analíticos oferecidos por outras formas de terapia. O "porquê" dos comportamentos não tinha a menor importância para ele; o "como" e o "o quê" é que eram importantes. A desvalorização da necessidade de buscar um "porquê" e a substituição do analista pelo paciente no papel de responsável pela significação provocaram mudanças profundas na hierarquia terapeuta-paciente. Se as abordagens terapêuticas anteriores geralmente envolviam um terapeuta manipulando o paciente em direção ao objetivo terapêutico, a prática gestáltica caracteriza-se por uma relação afetuosa e empática entre terapeuta e paciente, que trabalham como parceiros em direção a uma meta. O terapeuta é dinâmico, mas não orienta o paciente; a Gestalt de Perls mais tarde serviria de alicerce para a abordagem humanista, centrada no indivíduo, de Carl Rogers.




Negando o destino

Outro componente do método da Gestalt envolve o uso da linguagem. Uma ferramenta fornecida aos pacientes para desenvolver a autoconsciência é notar e modificar o uso da palavra "eu" em seus discursos. Segundo Perls, para assumir a responsabilidade por nossa realidade, precisamos reconhecer que usamos a linguagem para dar impressão de que não temos o controle, quando isso não é verdade. Simplesmente substituindo a frase "não posso fazer isso" por "não quero fazer isso", o indivíduo deixa claro que está fazendo uma escolha. Isso também ajuda a esclarecer quem é o dono do sentimento: as emoções existem e pertencem a mim. Não se pode culpar outras pessoas ou outras coisas por nossos sentimentos.
Outro exemplo de mudanças na linguagem é substituir "precisar" por "querer". Por exemplo, em vez de "eu preciso ir embora", dizer "eu quero ir embora". Revela-se aí também o elemento de escolha. Conforme aprendemos a assumir a responsabilidade por nossas experiências, afirmou Perls, desenvolvemos indivíduos autênticos, livres da influência da sociedade. Experimentamos também uma sensação de poder ao perceber que não estamos à mercê de coisas que "simplesmente acontecem". Qualquer sentimento de vitimização esfarela-se quando entendemos que aquilo que aceitamos para nossas vidas - o que escolhemos ver e experimentar - é uma opção; não somos impotentes. Junto com a responsabilidade pessoal, vem a obrigação de não vivenciar eventos, relacionamentos ou circunstâncias erradas para o nosso "eu" autêntico. A teoria da Gestalt convida-nos a pensar atentamente sobre o que escolhemos acatar dentre as normas sociais. Talvez nos comportemos há tanto tempo com base no pressuposto de que elas são verdadeiras que as aceitamos de maneira automática. Em vez disso, de acordo com Perls, é melhor adotar crenças que inspirem e desenvolvam o nosso "eu" autêntico. A capacidade de definir nossas regras, determinar nossas próprias opiniões, filosofias, desejos e interesses é de fundamental importância. Conforme aumentamos a nossa consciência de autorresponsabilidade, autoconfiança e autocompreensão, entendemos que estamos construindo o nosso próprio mundo, ou a nossa verdade. A vida que vivemos torna-se mais suportável, porque a verdade só pode ser tolerada se descoberta por conta própria.
(O Livro da Psicologia)




quarta-feira, 28 de outubro de 2015

A Autoestima e a relação com os outros (Posições Existenciais)

Éric Berne, fundador da Análise Transacional, em colaboração com Franklin Ernst, descreve quatro abordagens que permitem compreender a maneira como nos situamos diante dos outros e que constitui o reflexo imediato do nosso nível de autoestima. Ele chama estas abordagens de Posições Existenciais. Elas dependem das imagens que alimentamos de nós mesmos, dos outros e das relações que mantemos com eles.
Existem quatro Posições Existenciais: três delas revelam distúrbios de autoestima.

1 - Eu não me aceito, mas aceito os outros ( - + )
Esta posição é o resultado de dificuldades na infância: educação excessivamente liberal e superprotetora ou rígida e exigente demais. Ao chegar à idade adulta, esta pessoa não tem confiança em si mesma nem nos outros. Ela os admira e se acha incapaz de fazer o que eles fazem. Encontra-se frequentemente angustiada e às vezes depressiva.

2 - Eu me aceito, mas não aceito os outros ( + - )
Se uma criança não tiver recebido a segurança e o apoio necessários a um crescimento equilibrado, se ela tiver tido de "lutar para vencer", ela pode se tornar dura e ter tendência a desprezar os outros quando for adulta. Isto também pode ocorrer se os pais não tiverem imposto limites de forma atenciosa e firme. Ela cresce então "sem fé nem lei" e acaba tratando os outros como se eles fossem seus escravos e estivessem a seu serviço. Este comportamento pode parecer "uma alta autoestima" à primeira vista, o que não é o caso de maneira alguma. Trata-se de uma atitude que revela um profundo distúrbio de autoestima.

3 - Eu não me aceito e não aceito os outros ( - - )
Esta posição reflete uma séria carência de autoestima. "De que adianta?", "De qualquer forma, a gente vai se dar mal!", "Nem vale a pena tentar!", "São todos uns idiotas!"
Esta pessoas alimentam dentro de si uma imensa raiva do mundo inteiro. Elas não veem sentido algum em suas vidas. Este comportamento pode parecer "uma alta autoestima" à primeira vista, o que não é o caso de maneira alguma. Trata-se de uma atitude que revela um profundo distúrbio de autoestima.

4 - Eu me aceito, reconheço o meu valor e aceito os outros reconhecendo o valor deles ( + + )
Estas pessoas têm uma boa autoestima. O diálogo interior delas é positivo. Diante de um novo desafio, a "vozinha" interior diz: "Você vai conseguir, você possui as competências necessárias, vá em frente!"
Os que se colocam nesta posição podem viver plenamente, aceitando a si mesmos com o seu lado obscuro e o seu lado luminoso e sendo capazes de abertura, escuta e realismo.
(Rosette Poletti/Barbara Dobbs - Caderno de Exercícios para aumentar a Autoestima)





sábado, 24 de outubro de 2015

Aula de Inglês (Rubem Braga)

—  Is this an elephant?

Minha tendência imediata foi responder que não; mas a gente não deve se deixar levar pelo primeiro impulso. Um rápido olhar que lancei à professora bastou para ver que ela falava com seriedade, e tinha o ar de quem propõe um grave problema. Em vista disso, examinei com a maior atenção o objeto que ela me apresentava.

Não tinha nenhuma tromba visível, de onde uma pessoa leviana poderia concluir às pressas que não se tratava de um elefante. Mas se tirarmos a tromba a um elefante, nem por isso deixa ele de ser um elefante; mesmo que morra em conseqüência da brutal operação, continua a ser um elefante; continua, pois um elefante morto é, em princípio, tão elefante como qualquer outro. Refletindo nisso, lembrei-me de averiguar se aquilo tinha quatro patas, quatro grossas patas, como costumam ter os elefantes. Não tinha. Tampouco consegui descobrir o pequeno rabo que caracteriza o grande animal e que, às vezes, como já notei em um circo, ele costuma abanar com uma graça infantil.

Terminadas as minhas observações, voltei-me para a professora e disse convincentemente:

—  No, it's not!

Ela soltou um pequeno suspiro, satisfeita: a demora de minha resposta a havia deixado apreensiva. Imediatamente perguntou:

—  Is it a book?

Sorri da pergunta: tenho vivido uma parte de minha vida no meio de livros, conheço livros, lido com livros, sou capaz de distinguir um livro a primeira vista no meio de quaisquer outros objetos, sejam eles garrafas, tijolos ou cerejas maduras — sejam quais forem. Aquilo não era um livro, e mesmo supondo que houvesse livros encadernados em louça, aquilo não seria um deles: não parecia de modo algum um livro. Minha resposta demorou no máximo dois segundos:

—  No, it's not!

Tive o prazer de vê-la novamente satisfeita — mas só por alguns segundos. Aquela mulher era um desses espíritos insaciáveis que estão sempre a se propor questões, e se debruçam com uma curiosidade aflita sobre a natureza das coisas.

—  Is it a handkerchief?

Fiquei muito perturbado com essa pergunta. Para dizer a verdade, não sabia o que poderia ser um handkerchief; talvez fosse hipoteca... Não, hipoteca não. Por que haveria de ser hipoteca? Handkerchief! Era uma palavra sem a menor sombra de dúvida antipática; talvez fosse chefe de serviço ou relógio de pulso ou ainda, e muito provavelmente, enxaqueca. Fosse como fosse, respondi impávido:

—  No, it's not!

Minhas palavras soaram alto, com certa violência, pois me repugnava admitir que aquilo ou qualquer outra coisa nos meus arredores pudesse ser um handkerchief.

Ela então voltou a fazer uma pergunta. Desta vez, porém, a pergunta foi precedida de um certo olhar em que havia uma luz de malícia, uma espécie de insinuação, um longínquo toque de desafio. Sua voz era mais lenta que das outras vezes; não sou completamente ignorante em psicologia feminina, e antes dela abrir a boca eu já tinha a certeza de que se tratava de uma palavra decisiva.

—  Is it an ash-tray?

Uma grande alegria me inundou a alma. Em primeiro lugar porque eu sei o que é um ash-tray: um ash-tray é um cinzeiro. Em segundo lugar porque, fitando o objeto que ela me apresentava, notei uma extraordinária semelhança entre ele e um ash-tray.  Era um objeto de louça de forma oval, com cerca de 13 centímetros de comprimento.

As bordas eram da altura aproximada de um centímetro, e nelas havia reentrâncias curvas — duas ou três — na parte superior. Na depressão central, uma espécie de bacia delimitada por essas bordas, havia um pequeno pedaço de cigarro fumado (uma bagana) e, aqui e ali, cinzas esparsas, além de um palito de fósforos já riscado. Respondi:

—  Yes!

O que sucedeu então foi indescritível. A boa senhora teve o rosto completamente iluminado por onda de alegria; os olhos brilhavam — vitória! vitória! — e um largo sorriso desabrochou rapidamente nos lábios havia pouco franzidos pela meditação triste e inquieta.  Ergueu-se um pouco da cadeira e não se pôde impedir de estender o braço e me bater no ombro, ao mesmo tempo que exclamava, muito excitada:

—  Very well!  Very well!

Sou um homem de natural tímido, e ainda mais no lidar com mulheres. A efusão com que ela festejava minha vitória me perturbou; tive um susto, senti vergonha e muito orgulho.

Retirei-me imensamente satisfeito daquela primeira aula; andei na rua com passo firme e ao ver, na vitrine de uma loja,alguns belos cachimbos ingleses, tive mesmo a tentação de comprar um. Certamente teria entabulado uma longa conversação com o embaixador britânico, se o encontrasse naquele momento. Eu tiraria o cachimbo da boca e lhe diria:

--  It's not an ash-tray!

E ele na certa ficaria muito satisfeito por ver que eu sabia falar inglês, pois deve ser sempre agradável a um embaixador ver que sua língua natal começa a ser versada pelas pessoas de boa-fé do país junto a cujo governo é acreditado.
(Rubem Braga) 


 

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Aprendendo a gostar de si mesmo (Louise Hay)

A Bíblia diz "Ama a teu próximo como a ti mesmo". Por mais simples e clara que esta afirmação possa parecer, levei muito tempo para me dar conta do que significa "amar a si mesmo" e para saber que se não amarmos e respeitarmos a nós mesmos seremos incapazes de qualquer amor verdadeiro pelos outros.
Alguns talvez digam que amar a si mesmo é vaidade, egoísmo e arrogância. Talvez seja por isso que esse amor por nós mesmos não é despertado e estimulado em nós desde pequenos. Pelo contrário, somos formados para atender o desejo alheio, a expectativa dos pais, as exigências dos professores, as ordens dos adultos. 
Lutamos desesperadamente para atender o desejo dos outros, achando que assim seremos amados por eles, E nesse esforço perdemos de vista o incrível milagre que cada um de nós é como centelha divina e esplêndida expressão de vida.
As atitudes de vaidade, egoísmo ou arrogância não revelam amor por nós mesmos. Revelam medo, insegurança, necessidade de afirmação. Essas atitudes são disfarces, são escudos para ocultar as carências que incomodam e fazem sofrer. 
Pense nisso sempre que uma pessoa arrogante intimidar ou procurar diminuir você. O amor é respeitoso, generoso, solidário e cheio de compaixão. Quem ama a si mesmo entra em sintonia com o universo no que ele tem de melhor, e tudo flui em sua vida.
Como é que amamos um filho querido para que ele cresça e se desenvolva dentro de suas características próprias? É procurando conhecê-lo tal como ele é, e não como gostaríamos que ele fosse. É acolhendo suas necessidades e estimulando suas capacidades.
É ajudando-o a superar suas dificuldades e colocando limites para que ele se dê conta dos direitos dos outros. É tendo para ele um olhar de amor que reconhece, respeita, valoriza, levando-o a descobrir a pessoa única e especial que ele é. Levando-o a amar a si mesmo.
Por que então não fazemos o mesmo conosco? Somos adultos, está na hora de cuidarmos de nós como o faríamos com um filho querido. Está na hora de aprendermos a amar a nós mesmos.
(Louise Hay - Aprendendo a gostar de si mesmo)