Muitas pessoas sabem o que seja goiabada; mas talvez nem todas elas já tenham visto uma goiaba. Aliás, a goiaba já fez a confusão de um velho cronista do Brasil, que a descreveu pegada ao tronco da goiabeira. Decerto, entre seus olhos e seus ouvidos produziu-se uma compreensível atrapalhação, fazendo falar de goiaba e pensar em jabuticaba... (A rima, às vezes, é traiçoeira...)
Os indígenas, que sempre deram nomes certos às coisas, parece que a chamavam a-covab para dizerem que era um ajuntamento de caroços. Na verdade, ela é pouco mais do que isso. E em certo idioma da Índia, quando se quer dizer goiaba diz-se pêra, que é assim que ela se chama. (Agora, quando se quer dizer pêra não se deve dizer goiaba... Isso já seria engraçado demais!)
Penso em tudo isto porque estou vendo, à porta de uma confeitaria, uma goiaba que custa sessenta cruzeiros. Sessenta cruzeiros: quer dizer, quase um litro de leite, umas cinquenta gramas de manteiga, meio quilo de pão... (Bem, não me atrevo a continuar, porque os preços sobem a cada instante, e podem já não estar atualizados...) Em todo caso, a goiaba custa sessenta cruzeiros.
As goiabas estão ali arrumadinhas na caixa. De aparência modesta, mas de escandaloso perfume. Às vezes como o das angélicas, o perfume das goiabas causa até um grande mal-estar. Mas é quando estão muitas juntas; pois, separadamente, desprendem um cheiro delicioso. Como as pessoas que, sozinhas, são delicadas e encantadoras e, num grupo, não se sabe como, se tornam vulgares e até estúpidas.
O que eu lamento é que os passantes olhem para as goiabas, para o preço, e não se detenham: as goiabas não lhes dizem nada a não ser que são uma fruta de cheiro excessivo e de custo muito alto.
Isso me entristece, pois a goiabeira é uma árvore meio torta, de folhas todas riscadinhas, e cujo tronco se descasca como se fosse papel. Por baixo, a madeira é lisa e bonita que nem marfim. Antes da goiaba nascer, aparece uma flor tão alva, tão gloriosa, coroada de ouro e seda branca! uma flor que lembra a Estrela da Manhã. Há um movimento de vespas, de abelhas, em redor dessas flores. Depois, a goiaba é um pequenino botão verde; depois, é um fruto oval e amarelo, cetinoso e perfumoso. Quando se parte, ela abre um sorriso de dentinhos cor-de-rosa. Tão grande é o seu perfume, tão tenra a sua polpa, que, muitas vezes, antes mesmo das crianças, são os passarinhos que a provam. E nesse dia cantam muito melhor.
Eis o que é, mais ou menos, uma goiaba. De modo que, embora não as vendam, mas para mostrar quanto as estimam, os senhores mercadores deviam pedir por elas não sessenta cruzeiros - preço vil - mas seiscentos e até mais.
(Cecília Meireles - O que se diz e o que se entende)
Nenhum comentário:
Postar um comentário