quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Você faria qualquer bobagem por amor?

Sem sombra de dúvida, nossas crenças moldam nosso comportamento. Mesmo quando não sabemos conscientemente quais crenças governam nossas vidas, acabamos manifestando comportamentos totalmente ligados às coisas em que acreditamos. As crenças geram nossos comportamentos e reações, não tem jeito. Portanto, se quisermos mudar algum comportamento insatisfatório ou negativo devemos, primeiro, mudar nossas crenças. Mas como fazemos isso?
  Em primeiro lugar, só conseguimos lidar racionalmente com aquilo que conhecemos. Para que o processo de mudança seja efetivo, devemos reconhecer e explicitar nossas crenças relacionadas a um assunto específico. Por exemplo: se sou uma pessoa muito romântica e sonhadora e, por isso, sempre sofro decepções amorosas, devo examinar as crenças que sustentam minha visão a respeito de amor, relacionamentos e afetividade. Se eu acredito que o Amor supera todas as barreiras, ficarei extremamente chateada se meu namorado não quiser vir me ver porque está chovendo muito lá fora. Parece bobagem? Pois não é. As crenças ficam armazenadas no nosso inconsciente e são registradas através da linguagem. Se acredito que o Amor supera TODAS as barreiras, uma chuvinha qualquer não deveria atrapalhar o meu namoro. Parece uma infantilidade, mas é bem assim que as coisas funcionam. Você nunca se pegou tendo comportamentos infantis e absurdos sem saber de onde vieram aquelas ideias tão irreais? Nunca se sentiu frustrado por estar tendo sentimentos que, racionalmente, parecem exagerados e caricatos? Pois é, eu também. Então, alterando crenças limitantes podemos manifestar comportamentos mais realistas, ajustados e maduros.
Para ilustrar o processo de ajustamento das crenças em relação ao Amor, vamos dar alguns exemplos e raciocinar sobre eles de maneira objetiva e equilibrada:

Crença: “O Amor supera tudo” ou “Quem ama, perdoa”
Você realmente acredita que o fato de amar alguém lhe traz a obrigação de aturar qualquer tipo de desmando, contrariedade, obstáculo ou abuso? Você acha que o Amor supera diferenças de raça, cor, classe social, mentalidade, nível de instrução, objetivos de vida ou preferências? Se você acha que sim, me desculpe, mas você está sendo ingênuo. Nos romances e nas novelas, os casais passam por mil e uma dificuldades e no final ficam juntos, vitoriosos e apaixonados. Geralmente, eles se casam depois de muitas contrariedades e são felizes para sempre. Você já considerou a hipótese de isso ser apenas uma expressão literária, nada mais? Quem, na sua vida real, você conhece que tenha passado por uma história semelhante, ou seja, que tenha sofrido muito, passado por milhares de perrengues e depois terminou super feliz com seu par, vencendo a tudo e todos? Olhe bem, não estamos falando da APARÊNCIA da felicidade, mas de uma felicidade real e palpável. Eu não conheço nenhum casal que tenha passado por problemas graves, brigas, desavenças, traições, barracos em geral e que tenha saído ileso dessas provações. A verdade é que relacionamentos se desgastam com o tempo, a convivência mostra escancaradamente que nós vimos o que quisemos ver no outro no princípio e, se as uniões perduram, é por interesses mútuos dos parceiros (geralmente interesses financeiros). Sendo assim, abra o olho para todo tipo de abusos. Não pense que seu parceiro vai mudar depois de cometer abusos contra você. Não aceite desaforos, ofensas, desprezo, migalhas. Aceite o fato de que as coisas têm começo, meio e fim e preserve sua dignidade. Não se rebaixe só para provar para si mesmo e para os outros que o Amor tudo aguenta, tudo suporta, tudo perdoa. Acreditar nisso é um passo para um processo doentio de co-dependência. Lembre-se: às vezes, perdoar uma infração grave é dar munição para o outro lhe enganar de novo e continuar aprontando por aí, afinal, sair ileso de uma transgressão é um incentivo quase irresistível para repeti-la.

Crença: “Fulano é minha Alma Gêmea” ou “Fulano é o amor da minha vida”.
Esse tipo de crença é muito, mas muito limitante. Acreditar que, no mundo todo, só existe UMA pessoa compatível com você é uma tremenda bobagem. Claro que você pode se dar super bem com diversas pessoas durante sua existência, afinal, existe muita gente boa no nosso planeta. Quanto maiores forem as afinidades, melhor você se dará com alguém, isso é óbvio. Mas decidir que somente FULANO pode te fazer feliz é pedir pra sofrer. E se o Fulano morrer? Você nunca mais será feliz com ninguém, nunca mais? Aceite o fato de que é possível amar muitas pessoas durante a vida e isso não diminui o amor que você sente ou sentiu por nenhuma delas. Isso é natural e saudável. Não se deixe levar por pensamentos religiosos criados a fim de dominar a mente do homem comum. De que adianta ficar casado com a mesma pessoa por 50 anos traindo, enganando, brigando e passando raiva?

Crença: “Nos apaixonamos à primeira vista, era nosso destino!”
Bom, se você pensar bem, chegará à conclusão de que ninguém se apaixona à primeira vista. Claro que você pode sentir uma atração ao conhecer alguém, pode se interessar pela pessoa, mas se apaixonar são outros quinhentos. Você mal conhece o outro, não tem quase nenhuma informação confiável a respeito, como pode se apaixonar? E outra: é evidente que o outro, nos primeiros contatos, vai mostrar somente suas qualidades e vantagens. Obviamente lhe tratará na palma da mão, se esforçando ao máximo para lhe agradar. Com o passar do tempo, porém, as máscaras caem e você vai percebendo onde entrou. Não dá para confiar em nossas impressões enquanto estamos sendo bombardeados por hormônios. Há casos, também, em que distorcemos nossa visão das coisas para suprir nossas carências do momento. Às vezes o outro nem é tão maravilhoso assim, e a gente tem a tendência a enxergar aquilo que queremos, distorcendo os fatos. Acontece. Quem nunca passou por  isso que atire a primeira pedra!



Romeu e Julieta



Se analisarmos bem, veremos que ainda estamos sendo bombardeados por pressupostos do Romantismo. Sim, é isso mesmo! Lembra do mal-do-século? Homens e mulheres se amavam loucamente, faziam qualquer sacrifício por amores platônicos, se matavam por pessoas que mal conheciam. Morriam de depressão, fugiam de casa, faziam todas as loucuras do universo por amor. Lembram de Iracema? Foi iludida e abandonada, depois morreu de desgosto. Inocência? Idem. E o trágico “Amor de Perdição”? Tem desgraça maior do que esse livro? Teresa foi pro convento e morreu de tuberculose. Simão morre de desgosto por causa da morte da amada e é jogado ao mar. Pra completar a palhaçada, Mariana, que era apaixonada por Simão, se joga ao mar para se juntar ao seu amado. Ah gente, pelo amor de Deus, né?

Pois é, se nos livros isso tudo parece ridículo, por que insistimos em repetir esses comportamentos doentios na vida real? Da próxima vez que você estiver prestes a fazer bobagens em nome do Amor, lembre-se dessas histórias. Leia Machado de Assis, leia Eça de Queirós, leia Nelson Rodrigues. Traga o Realismo para dentro da sua vida, seja corajoso e enxergue a vida como ela é. Sonhar é confortável, eu sei, mas sonhe mantendo os pés no chão. Afinal, finais totalmente felizes só existem em filmes, novelas e romances!

Dicas de livros e filmes:

Para arrotar coraçõezinhos e ver como você NÃO deve agir:
- Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco - de longe o livro que mais odiei na vida, depois de Memorial do Convento, do Saramago. Que historinha mais fajuta, que personagens emo, que saco de trama! Odiei com todas as minhas forças;
- Iracema, de José de Alencar - era óbvio que o português ia ficar com ela e abandoná-la em seguida, afinal, o que um ricão ia querer com uma índia? Dá raiva, muita raiva;
- Inocência, de Visconde de Taunay - repetindo a história de Iracema, Inocência foi abandonada e morreu de desgosto. Péssimo final;
- O amor nos tempos do cólera, de Gabriel García Marquéz - tenho uma tia que ama esse livro. Eu detesto! Imagina o cara ficar a vida toda esperando por uma única mulher? E depois ficaram juntos, velhos e acabados. Nosso protagonista mostra que tem autoestima zero;
- 50 tons de cinza, de E.L.James - péssimo, péssimo, péssimo. Onde já se viu passar a mensagem de que vale a pena aguentar tudo quanto é tipo de desaforo, abuso e agressão para fazer um homem mudar magicamente? É revoltante! (veja resenha aqui).


 Para pôr os pés no chão e ver como a vida funciona de verdade:
- A insustentável leveza do ser, de Milan Kundera - maravilhoso demais. Super realista e muito bem escrito. É o tipo de livro que você lê um capítulo e pensa uma tarde toda. Forte demais. Um dos meus favoritos for life;
- O primo Basílio, de Eça de Queiróz - os anos passam e eu continuo adorando a história de Jorge, Luisinha e Basílio. Luisinha, toda romântica, se ferrou no final, enquanto Basílio caçava suas novas vítimas na Europa. Muito bom;
- O Mulato, de Aluísio Azevedo - super atual, mostra o preconceito racial nos relacionamentos do modo como ainda acontece hoje em dia. A recuperação instantânea de Ana Rosa após o assassinato de Raimundo mostra bem como o ser humano é;
- A vida como ela é, de Nelson Rodrigues - um dos meus escritores favoritos, hoje e sempre. Amo demais Nelson Rodrigues. Todos os contos de A vida como ela é me ensinaram algo a respeito do ser humano. Leitura obrigatória para toda pessoa racional;
- Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis - Machado, meu amado! A ironia do defunto-autor dá voz a todo o Realismo desse carioca genial. Um livro cheio de referências, simplesmente demais! O engraçado é que Machado de Assis escreveu, anos antes de Brás Cubas, um livro nos moldes românticos, chamado Helena. Helena se ferrou também por ter acreditado num cara que a enganou e depois morreu porque tomou chuva (patético!). Lendo a obra, percebe-se nitidamente que Machado achava o romantismo uma bobagem sem tamanho. Brás Cubas é a cereja do bolo desse escritor, juntamente com Dom Casmurro;
- A rosa púrpura do Cairo, de Woody Allen - ahhh, Woody Allen! Esse filme é espetacular. Mostra nitidamente que finais felizes só acontecem no cinema. Recomendadíssimo!



Iracema - pintura de Antônio Parreiras


Se você quiser ler mais livros de cunho realista, devore Nietzsche, Robert Greene, Oscar Wilde. E lembre-se: NINGUÉM morre por amor. Não exagere, não dramatize, não dê showzinho. Keep cool!

Nenhum comentário: