No século XVIII, o filósofo alemão Immanuel Kant revolucionou o pensamento acerca do mundo ao observar que nunca sabemos o que realmente está "do lado de fora" de nós mesmos, porque o nosso conhecimento é limitado pelas fronteiras da mente e dos sentidos. Não sabemos como são as coisas "em si mesmas", mas sim como as experimentamos. Essa visão constitui a base da Gestalt-Terapia, segundo a qual é essencial nos lembrarmos de que a complexidade da experiência humana - com todas as suas tragédias, traumas, inspirações, paixões e infinitas possibilidades - nos aparece codificada pelas "lentes" individuais por meio das quais a enxergamos. Não absorvemos automaticamente todos os sons, sentimentos e imagens do mundo; nós os sondamos e selecionamos apenas alguns.
Segundo Fritz Perls, um dos fundadores da Gestalt-Terapia, isso significa que nossa sensação pessoal de realidade é criada pela nossa percepção; pela maneira como enxergamos as nossas experiências, e não pelos eventos em si. No entanto, é fácil esquecer isso, ou mesmo não ser capaz de reconhecê-lo. Perls disse que tendemos a confundir o nosso ponto de vista sobre o mundo com a verdade absoluta, em vez de reconhecer a importância da percepção e sua influência na criação de nossa perspectiva, assim como em todas as ideias, ações e crenças que dela decorrem. Para ele, a única verdade que alguém pode ter é sua própria verdade pessoal.
Reconhecendo o poder
A teoria da Gestalt usa os princípios da experiência, da percepção e da responsabilidade individual - tanto no que se refere a pensamentos quanto a sentimentos - para incentivar o crescimento pessoal por meio do estabelecimento de um senso de controle interno. Perls acreditava ser possível aprender a controlar as experiências internas, independentemente do ambiente externo. Quando compreendemos que a nossa percepção configura a nossa experiência, passamos a ver que os papeis que desempenhamos e as ações que realizamos são ferramentas que podemos utilizar de modo consciente para modificar a realidade. O controle sobre nosso próprio ambiente psíquico nos confere poder sobre duas escolhas: como interpretar o ambiente e como reagir a ele. A expressão "ninguém pode deixar você bravo, só você mesmo" é um perfeito exemplo dessa filosofia, e sua veracidade pode ser confirmada pelas diferentes reações das pessoas, por exemplo, a engarrafamentos, a más notícias ou a críticas pessoais.
Na Gestalt-Terapia, o sujeito é obrigado a assumir responsabilidade direta pela forma como age e reage, não importa o que aconteça. Perls chamava esta habilidade de manter estabilidade emocional independentemente do ambiente de "homeostase" - um termo biológico usado, em geral, para descrever a manutenção de um ambiente físico estável no interior do corpo. Isso implica um delicado equilíbrio entre sistemas diversos e é dessa maneira que a Gestalt-Terapia compreende a mente. Seu objetivo é encontrar maneiras de equilibrar a mente passando pelos diversos pensamentos, sentimentos e percepções que constituem a totalidade da experiência humana. Sua visão do indivíduo é holística: tem foco no todo, e não apenas nas partes.
Perls julgava que sua tarefa era auxiliar seus pacientes a tomar consciência do poder de suas percepções e de como elas moldam a realidade (ou o que entendemos por "realidade"). Com isso, seus pacientes tornavam-se capazes de controlar a configuração de suas paisagens interiores. Ao assumir a responsabilidade por suas noções perceptivas da realidade, os pacientes podiam criar a realidade que bem entendessem.
Perls ajudava seus pacientes a atingir esse estado ensinando-lhes todos os processos da Gestalt-Terapia. O primeiro e mais importante é aprender a cultivar a consciência e concentrá-la sobre os sentimentos correntes. Isso permite que o indivíduo experimente diretamente os seus sentimentos e perceba a realidade do tempo presente. Esta habilidade de estar "aqui agora" é crucial no processo da Gestalt; é a aguçada consciência emocional que constitui as bases para o entendimento de como cada um cria e reage ao ambiente. É ela também o caminho para aprendermos como modificar as maneiras de experimentarmos a nós mesmos e ao nosso ambiente.
Perls julgava que a capacidade de entrar em contato com sentimentos autênticos - emoções e pensamentos verdadeiros - era mais importante para o crescimento pessoal do que as explicações psicológicas ou os feedbacks analíticos oferecidos por outras formas de terapia. O "porquê" dos comportamentos não tinha a menor importância para ele; o "como" e o "o quê" é que eram importantes. A desvalorização da necessidade de buscar um "porquê" e a substituição do analista pelo paciente no papel de responsável pela significação provocaram mudanças profundas na hierarquia terapeuta-paciente. Se as abordagens terapêuticas anteriores geralmente envolviam um terapeuta manipulando o paciente em direção ao objetivo terapêutico, a prática gestáltica caracteriza-se por uma relação afetuosa e empática entre terapeuta e paciente, que trabalham como parceiros em direção a uma meta. O terapeuta é dinâmico, mas não orienta o paciente; a Gestalt de Perls mais tarde serviria de alicerce para a abordagem humanista, centrada no indivíduo, de Carl Rogers.
Negando o destino
Outro componente do método da Gestalt envolve o uso da linguagem. Uma ferramenta fornecida aos pacientes para desenvolver a autoconsciência é notar e modificar o uso da palavra "eu" em seus discursos. Segundo Perls, para assumir a responsabilidade por nossa realidade, precisamos reconhecer que usamos a linguagem para dar impressão de que não temos o controle, quando isso não é verdade. Simplesmente substituindo a frase "não posso fazer isso" por "não quero fazer isso", o indivíduo deixa claro que está fazendo uma escolha. Isso também ajuda a esclarecer quem é o dono do sentimento: as emoções existem e pertencem a mim. Não se pode culpar outras pessoas ou outras coisas por nossos sentimentos.
Outro exemplo de mudanças na linguagem é substituir "precisar" por "querer". Por exemplo, em vez de "eu preciso ir embora", dizer "eu quero ir embora". Revela-se aí também o elemento de escolha. Conforme aprendemos a assumir a responsabilidade por nossas experiências, afirmou Perls, desenvolvemos indivíduos autênticos, livres da influência da sociedade. Experimentamos também uma sensação de poder ao perceber que não estamos à mercê de coisas que "simplesmente acontecem". Qualquer sentimento de vitimização esfarela-se quando entendemos que aquilo que aceitamos para nossas vidas - o que escolhemos ver e experimentar - é uma opção; não somos impotentes. Junto com a responsabilidade pessoal, vem a obrigação de não vivenciar eventos, relacionamentos ou circunstâncias erradas para o nosso "eu" autêntico. A teoria da Gestalt convida-nos a pensar atentamente sobre o que escolhemos acatar dentre as normas sociais. Talvez nos comportemos há tanto tempo com base no pressuposto de que elas são verdadeiras que as aceitamos de maneira automática. Em vez disso, de acordo com Perls, é melhor adotar crenças que inspirem e desenvolvam o nosso "eu" autêntico. A capacidade de definir nossas regras, determinar nossas próprias opiniões, filosofias, desejos e interesses é de fundamental importância. Conforme aumentamos a nossa consciência de autorresponsabilidade, autoconfiança e autocompreensão, entendemos que estamos construindo o nosso próprio mundo, ou a nossa verdade. A vida que vivemos torna-se mais suportável, porque a verdade só pode ser tolerada se descoberta por conta própria.
(O Livro da Psicologia)
(O Livro da Psicologia)
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