O amor antigo vive de si mesmo, não de cultivo alheio ou de presença. Nada exige nem pede. Nada espera, mas do destino vão nega a sentença. O amor antigo tem raízes fundas, feitas de sofrimento e de beleza. Por aquelas mergulha no infinito, e por estas suplanta a natureza. Se em toda parte o tempo desmorona aquilo que foi grande e deslumbrante, a antigo amor, porém, nunca fenece e a cada dia surge mais amante. Mais ardente, mas pobre de esperança. Mais triste? Não. Ele venceu a dor, e resplandece no seu canto obscuro, tanto mais velho quanto mais amor. (Carlos Drummond de Andrade)
Se me contemplo, tantas me vejo, que não entendo quem sou, no tempo do pensamento. Vou desprendendo elos que tenho, alças, enredos... Formas, desenho que tive, e esqueço! Falas, desejo e movimento — a que tremendo, vago segredo ides, sem medo?! Sombras conheço: não lhes ordeno. Como precedo meu sonho inteiro, e após me perco, sem mais governo?! Nem me lamento nem esmoreço: no meu silêncio há esforço e gênio e suave exemplo de mais silêncio. Não permaneço. Cada momento é meu e alheio. Meu sangue deixo, breve e surpreso, em cada veio semeado e isento. Meu campo, afeito à mão do vento, é alto e sereno: Amor. Desprezo. Assim compreendo o meu perfeito acabamento. Múltipla, venço este tormento do mundo eterno que em mim carrego: e, una, contemplo o jogo inquieto em que padeço. E recupero o meu alento e assim vou sendo. Ah, como dentro de um prisioneiro há espaço e jeito para esse apego a um deus supremo, e o acerbo intento do seu concerto com a morte, o erro... ( voltas do tempo — sabido e aceito — do seu desterro...)
Tudo que cessa é morte, e a morte é nossa Se é para nós que cessa. Aquele arbusto Fenece, e vai com ele Parte da minha vida. Em tudo quanto olhei fiquei em parte. Com tudo quanto vi, se passa, passo, Nem distingue a memória Do que vi do que fui. (Ricardo Reis, um dos heterônimos de Fernando Pessoa)