terça-feira, 25 de agosto de 2015

O Método Dialético de Sócrates

Sócrates rapidamente tornou-se figura conhecida em Atenas, com reputação de espírito questionador. Segundo a lenda, um amigo do filósofo perguntou à sacerdotisa de Apolo em Delfos quem era o homem mais sábio do mundo. A resposta do oráculo foi que ninguém era mais sábio do que Sócrates. Ao saber disso, o próprio Sócrates ficou pasmo e recorreu às pessoas mais cultas que pôde encontrar para tentar refutar o oráculo. Descobriu que essas pessoas apenas achavam que tinham respostas, mas diante do questionamento de Sócrates esse conhecimento revelou-se limitado ou falso. 
O método que ele usou para questionar o conhecimento desses sábios foi inovador. Sócrates assumiu o ponto de vista de quem nada sabia e simplesmente fez perguntas, expondo contradições nas argumentações e brechas nas respostas para, gradualmente, extrair insights. Ele comparava o processo à profissão de sua mãe, parteira, auxiliando no nascimento de ideias.
Por meio dessas discussões Sócrates compreendeu que o oráculo de Delfos estava certo: ele era o mais sábio de Atenas, não por causa de seu conhecimento, mas porque declarava que não sabia nada. Ele também percebeu que a inscrição na entrada do templo em Delfos, gnothi seauton ("conhece-te a ti mesmo"), era igualmente significativa. Para adquirir conhecimento acerca do mundo e de si mesmo era necessário compreender os limites da própria ignorância e remover as ideias preconcebidas. Só então se poderia ter esperança de determinar a verdade. 
Sócrates começou a envolver as pessoas de Atenas em debates sobre tópicos como a natureza do amor, da justiça e da lealdade. Sua missão, mal interpretada como forma perigosa de sofisma (ou esperteza para proveito próprio), não era a de instruir as pessoas, nem mesmo aprender o que elas sabiam, mas explorar as ideias que elas tinham. Era a conversa em si, com a condução de Sócrates, que proporcionava insights. Por meio de uma série de perguntas, ele revelava as ideias e pressuposições de seu interlocutor e, então, expunha as contradições nesse discurso e levava o outro a concordar com um novo conjunto de conclusões.
Esse método de examinar um argumento por meio da discussão racional a partir de uma posição de ignorância revolucionou o pensamento filosófico. Foi o primeiro uso conhecido do argumento indutivo, no qual um conjunto de premissas baseadas em experiências é inicialmente confirmado como verdadeiro e, então, leva a uma verdade universal na conclusão. Essa forma poderosa de argumento foi desenvolvida por Aristóteles e, mais tarde, por Francis Bacon, que a utilizava como ponto de partida de seu método científico. Tornou-se, por consequência, o alicerce não apenas da filosofia ocidental, mas de todas as ciências empíricas.
(O Livro da Filosofia)


segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Teste: Como você reage às situações?

Todos nós nos deparamos com personalidades dominadoras: pessoas que assumem o controle em eventos sociais, deixando bem claro como estão se sentindo, o que querem fazer e como querem que as coisas sejam feitas. Sem dúvida, há momentos em que isso é estritamente necessário e as pessoas dominadoras tornam-se organizadores eficazes. Por outro lado, existem momentos em que essa tendência agressiva atropela os sentimentos e desejos dos outros, e então as pessoas dominadoras podem parecer arrogantes, questionadoras e difíceis.
E quanto à personalidade condescendente? São as pessoas calmas, que geralmente concordam com todo mundo para evitar tensão ou conflito, mesmo que isso signifique reprimir o que realmente pensam. São exemplos perfeitos de cooperação, conciliando as diferenças pessoais com abnegação. Os tipos condescendentes são agradáveis e é fácil conviver com eles, pois dão sempre a precedência aos outros. No entanto, todo esse altruísmo pode ser um pouco cansativo quando você precisa de uma opinião sincera, ou quando um confronto é inevitável. 
O comportamento dominador ou condescendente geralmente se desenvolve na infância como consequência do estilo de criação ou da rivalidade entre irmãos. Em resultado disso, um terceiro estilo de personalidade costuma ser ensinado em seminários de aprimoramento pessoal ou cursos de formação de gerentes: a assertividade. O comportamento assertivo é aquele que exprime claramente o que você quer, ao mesmo tempo que reconhece e respeita os direitos dos outros. As pessoas assertivas tendem a ganhar muito mais a longo prazo, tanto no nível pessoal quanto no profissional.

TESTE O SEU QUOCIENTE DE DOMINAÇÃO

Você vai precisar usar algumas lembranças da infância para estudar o seu tipo de personalidade: dominador ou condescendente. Demore alguns minutos se recordando de algumas discussões e desentendimentos em família.

1. Como você resolvia os desentendimentos com seus irmãos?
a) Normalmente recorria a um dos meus pais como árbitro.
b) Não me incomodava mesmo e me afastava.
c) Precisava vencer e lutava até o fim.

2. Os seus pais eram dominadores ou condescendentes?
a) dominadores.
b) condescendentes.
c) um era dominador; o outro, condescendente.

3. Quais eram as suas estratégias para enfrentar os aborrecimentos?
a) Evitar discussões ou demonstrações de emoções, se possível.
b) Chorar - isso ajudava a aliviar a tensão.
c) Descontar em alguém.

4. Qual era a atitude da sua família em relação à vida?
a) Ensinava a respeitar os sentimentos dos outros e a defender os nossos.
b) Calma, raramente brigava e nunca precisava pôr fim a desentendimentos.
c) Falávamos o que pensávamos e competíamos para ter o controle.

PONTUAÇÃO/INTERPRETAÇÃO

1) a, 1; b, 0; c, 2.
2) a, 2; b, 0; c, 1.
3) a, 0; b, 1; c, 2.
4) a, 1; b, 0; c, 2.
Some sua pontuação total.
Se você marcou 6 pontos ou mais, você é do tipo dominador. 
Se você marcou 2 pontos ou menos, você é do tipo condescendente.
Se você marcou entre 3 e 5 pontos, você é do tipo assertivo.

Se você é uma pessoa dominadora, tem a personalidade forte e tende a assumir o comando. Você provavelmente é competitivo e pode gostar de uma boa discussão. A sua zona de perigo é a tendência à agressividade, que pode gerar conflitos, pôr em risco a confiança e prejudicar os relacionamentos. Faça um esforço para ser mais cordial nas suas relações. Procure ser assertivo em vez de agressivo.

Se você é condescendente, tem a tendência de pôr os outros na sua frente em todos os sentidos, tornando-se um amigo solícito e um trabalhador consciente. No entanto, há duas zonas de perigo no caso: primeiro, ignorar as suas próprias necessidades pode minar a sua confiança; segundo, deferência extrema pode incomodar. Lembre-se: se pedirem a sua opinião, é bem provável que a outra pessoa realmente queira ouvi-la!

Se você é assertivo, nem busca nem evita conflito, e respeita os outros tanto quanto respeita a si mesmo.  Pense nas vezes em que concordou e nas vezes em que fincou o pé. O resultado lhe fez bem?
(Claire Gordon - Decifre sua Personalidade)



 

domingo, 23 de agosto de 2015

Por que há tanta loucura no mundo?

Vivemos uma época em que há mais gente que enfrenta problemas sérios do que gente que vive bem. Talvez seja hora de parar de pensar na questão do indivíduo e mudar o foco para sua formação. O mundo está confuso porque recebemos uma educação insensata com relação à melhor maneira de ser, de viver e de considerar o que é importante. A cultura ocidental adotou um modelo que pode ser definido como modelo do fazer. É possível imaginá-lo como uma linha reta porque seu foco é claramente linear. Esse modelo tem origem na ética ocidental do trabalho e visa à realização de objetivos e à obtenção de recompensas externas. O início do modelo - a linha reta - é o nascimento, a cada passo à frente é marcado por uma nova conquista: diploma, promoção, casamento, casa maior, mais carros, mais riqueza e assim por diante. Pode-se comparar cada passo ao anterior, que foi menor, e ao posterior, que será maior. Há sempre um novo objetivo a atingir até chegar ao fim, que não é a morte, e sim a aposentadoria. Nesse ponto o modelo se extingue porque não há interesse na vida sem trabalho. Em outras palavras, segundo esse modelo, a vida é trabalho.
A própria natureza do modelo, de acordo com sua filosofia subjacente, implica um sistema de vida competitivo, crítico, meritório e de recompensas externas. O problema está no fato de que esse modelo é adequado a um aspecto da vida, a carreira profissional, e não aos demais aspectos. Parece, entretanto, que foi isso mesmo que aconteceu: generalizamos o modelo para abranger o todo da vida. Sendo assim, temos metas a atingir, somos competitivos, críticos e centrados no exterior também nas esferas espiritual, emocional, social e física. Não admira que o mundo esteja tão caótico e nós, tão perdidos.
Precisamos parar de nos culpar por nossa educação inadequada e procurar outro modelo de vida. Há milhares de anos, as filosofias e religiões orientais desenvolveram o que podemos denominar de modelo do ser. Imagine esse modelo como um círculo formado de espirais internas sem começo nem fim. Ele não tem, portanto, um lugar "melhor". Basta estar nele. De fato, ser é o suficiente. Por ser circular, seus ciclos são contínuos, ou seja, sempre se retorna ao ponto inicial, mas nunca exatamente no mesmo lugar. Muda-se constantemente e se percebe tudo em volta, como se os olhos vissem pela primeira vez. Por não haver final conhecido, não há sentido em chegar ao fim. Desse modo, a jornada é o objetivo. O caminho, e não o destino final, é o mais importante. Não há competição porque cada pessoa está onde está, e não é possível nem é preciso fazer comparações. Não há julgamento porque não há quem julgue. Esse é, assim, o modelo da aceitação.
O modelo do fazer é paradoxal porque as pessoas esperam atingir objetivos que não são acessíveis através desse método. Encontraremos os objetivos de paz, equilíbrio e poder interior no modelo do ser, que não visa à realização de metas.
O modelo do ser requer treinamento porque é o oposto de nosso familiar modelo do fazer. Esse modelo oriental, entretanto, não precisa ser o único. Pode-se usar o modelo do fazer em alguns aspectos da vida, como educação e desenvolvimento de carreira, e o modelo do ser em outros aspectos. Atenção: o modelo do ser pode tornar-se um vício benéfico. Um pouco de confiança e um pouco de fé são necessários para transitar de um modelo a outro. Lembre-se: é sempre possível recuar. Você pode preferir voltar ao conhecido. Mas antes pergunte a si mesmo se o modelo do fazer deu certo para você. Aprendeu a acabar com a loucura? Se a resposta for negativa, mude de modelo.
(Susanna McMahon - O Terapeuta de Bolso)



quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Resenha: AS CHAVES DO TARÔ

Um livro que indico para quem já se iniciou ou para aquele que pretende se iniciar nos estudos de Tarot é  As Chaves do Tarô, do grande especialista Hajo Banzhaf. Esta obra traz vários jogos e disposições de cartas, e possui também um quadro explicativo para o leitor decidir qual jogo escolher, de acordo com suas dúvidas e perguntas.  




Um fator bastante didático nesta obra é o fato de o autor ter criado quadros de comparação entre as cartas. Por exemplo, quando o quesito "alegria" é citado, podemos ver bem a diferença entre a alegria representada pela carta do Louco (alegria infantil, despreocupada) e a representada pelo Mundo (alegria com o sucesso). Podemos também comparar os Arcanos Maiores aos Menores, percebendo as sutilezas de significados entre eles.
Outra característica interessante deste compêndio é o modo pelo qual o significado das cartas é exposto, isto é, na forma de fichamento. É bastante funcional aprender através de pequenos resumos. Claro que devemos estudar as diversas nuances de cada arcano, que, aliás, são riquíssimos em forma, representação e simbolismo, mas as palavras-chave e os resumos são bem práticos e nos ajudam a memorizar os aspectos principais de cada carta.




Realmente, é um livro que merece estar na coleção de toda pessoa que se dedica ao estudo desse oráculo incrível!



quarta-feira, 19 de agosto de 2015

O que é Terapia?

Existem quase tantas definições de terapia quanto há terapeutas. Terapia é um relacionamento e, como tal, apresenta bons resultados quando as duas partes estão satisfeitas. Há muitas escolas, como a cognitiva, a comportamental, a analítica e a humanista ou gestaltismo, entre outras. Os resultados positivos, porém, dependem menos do tipo de terapia escolhido e mais do relacionamento existente entre paciente e analista. Muito mais importante do que saber o tipo de terapia a ser aplicado é confiar no terapeuta. Há momentos durante o processo terapêutico em que você pode sentir raiva do terapeuta ou ficar aborrecido com ele (e isso é normal), mas sempre deve haver confiança. Outro aspecto essencial é a competência. Treinamento e experiência são fundamentais nesse campo. Por sua condição de ser humano, o terapeuta comete erros. Paradoxalmente, é mais fácil confiar em alguém que admite estar errado do que em alguém que afirma estar sempre certo.
A terapia é antes de tudo um processo. Assemelha-se, de muitas maneiras, à vida. Imagine duas pessoas, o terapeuta e seu paciente, que se concentram na vida de alguém. Esse tipo de concentração e de atenção é poderoso. Muitas vezes, os pacientes se sentem mais calmos apenas com a atenção, o que é terapêutico. Há um forte componente de aprendizado em todas as terapias. Alguns tipos são mais didáticos e alguns terapeutas parecem professores. Outros são mais sutis e o aprendizado é indireto. De qualquer forma, aprendizado, treinamento, reflexão e reestruturação fazem parte do processo de mudança.
Muitos pacientes querem que o terapeuta tome conta de sua vida. Isso nada tem a ver com boa terapia. Boa terapia tampouco tem a ver com aconselhamento, solução de problemas ou tomada de decisões, embora algumas vezes isso aconteça. A terapia prestaria um grande desserviço ao paciente se o tornasse dependente do terapeuta. Seu objetivo é ajudar o paciente a tornar-se independente, maduro, eficiente, controlado e feliz consigo mesmo. A independência - a capacidade de pensar e agir por conta própria - está na base de todos os tipos de terapia.
As terapias de autoestima parecem partilhar essa filosofia. São semelhantes a outros tipos de terapia de apoio, em que a aceitação e o cuidado incondicionais são a parte essencial da relação entre o terapeuta e o paciente. Isso não significa que o terapeuta goste incondicionalmente do paciente nem estimule todos os tipos de comportamento. Pelo contrário, ele aceita o paciente por inteiro, encorajando e recompensando a tentativa de adotar novos comportamentos. 
Este livro é semelhante à terapia, pois tenta ensinar a você um novo modelo de vida, uma nova maneira de ver a si mesmo e oferece novas opções. Tenho duas metáforas de terapia: acrescentar mais ferramentas ao arsenal para ter a ferramenta correta quando for preciso ou acrescentar novas cores à paleta para aprimorar a arte e a capacidade criadora.
Talvez a missão mais importante do terapeuta seja encorajar seus pacientes! Muitos ficam desanimados consigo mesmos e com sua vida. É preciso coragem para dar o melhor de nós mesmos neste mundo louco. Encorajando seus pacientes, o terapeuta indica um lugar seguro para experimentar novas ideias e usar novas ferramentas. 
(O Terapeuta de Bolso - Susana McMahon)






Leia a resenha do livro O Terapeuta de Bolso aqui.


sábado, 8 de agosto de 2015

Destino, um confortável desejo.

Mário Quintana, poeta modernista que, por pouco, não atravessou vivo todo o século passado, é autor de deliciosa obra de leitura do cotidiano (premiada em seu conjunto pela Academia Brasileira de Letras, na qual tentou por três vezes ingressar e foi derrotado). O gaúcho sempre foi um frasista militante de alta qualidade e, durante anos, publicou muitas dessas frases em jornais com o título de "Caderno H" (agrupadas e publicadas em coletânea no início dos anos 1970). Uma delas toca num dos temas mais recorrentes dos nossos momentos: a ideia de destino. Disse ele que "o destino é o acaso atacado de mania de grandeza".
Destino ou acaso? Coincidência ou fatalidade? Determinismo ou liberdade?
Há uma angústia presente na necessidade de fazer escolhas e, mais ainda, na de ter de aceitar o resultado daquilo que se escolheu. Às vezes, essa angústia se transforma em desgosto, sofreguidão, atribulação, sufoco, avidez, desassossego, inquietação. A melhor forma de justificar ocorrências, legitimar frustrações ou desculpar algumas emoções desvairadas é naturalizar a origem de tudo, isto é, colocar as causas dos fatos e nos comportamentos em um patamar fora da intervenção humana, como o destino ou a natureza. Assemelha-se um pouco à síndrome de Gabriela, uma apologia do "eu nasci assim, eu cresci assim, eu sou mesmo assim..."
O médico e escritor espanhol Gregorio Marañón, além de biografias e ensaios científicos, produziu fundamentais estudos em endocrinologia, especialmente sobre uma das vedetes de nosso tempo: a adrenalina. Pouco antes da Segunda Guerra Mundial, descreveu o papel das descargas e do nível desse hormônio para explicar os processos da emoção. Porém sua sólida formação científica não o impediu de afirmar que "a pobre liberdade que os homens nos dão ou nos tiram quase nada representa ao lado da cadeia do destino herdado, que nasce enroscada em nossa alma e a vida mal pode afrouxar".
Essa apaziguadora interpretação da existência aparece inclusive em uma das poesias do filósofo Nietzsche, na qual faz menção a Epicteto, fundador do estoicismo, na Antiguidade, e criador da máxima "Suporta e abstém-te". O filósofo alemão diz: "Destino, sigo-te! E, mesmo que não o quisesse, deveria fazê-lo, ainda que gemendo".
É muito confortável proclamar a presença constante do destino; quando existe a convicção de que tudo "já está escrito", evita-se a turbulência mental que advém quando é preciso decidir, assumir ou, o que também é fulcral, enfrentar os responsáveis. É preciso prestar atenção ao que disse o Nobel de Literatura de 1915, Romain Roland: "Os homens inventaram o destino a fim de lhe atribuir as desordens do universo, que eles têm por dever governar". Talvez aí esteja a raiz de muitos dos tormentos espirituais, das aflições de consciência e das agonias pessoais: a perturbação por ter de assumir os riscos e as consequências das opções que podem ser feitas por aqueles que superaram a indigência das condições materiais de existência e, portanto, atingiram a capacidade de ir além da mera sobrevivência física cotidiana. Esses, assim como nós, não são privados de arbítrio e, portanto, devem responder socialmente pelos encargos trazidos pela liberdade. A atitude expectante, aquela que fica no aguardo do que vier, supondo a representação involuntária de um enredo previamente elaborado por forças alheias ao nosso mundo, representa uma postura negligente e até irresponsável.
Como bradou o suíço Denis de Rougemont (um dos fundadores do personalismo na filosofia do século 20 ), "a decadência de uma sociedade começa quando o homem pergunta a si próprio: "Que irá acontecer?" em vez de inquirir "Que posso eu fazer?'".
(Mário Sérgio Cortella)


Observando o Pensador

Quando  alguém  vai  ao  médico  e  diz:  “Ouço  uma  voz  dentro  da  minha  cabeça”, provavelmente   será   encaminhado   a   um   psiquiatra.   De   uma   forma   ou   de   outra, praticamente todas as pessoas ouvem uma voz, ou algumas vozes, o tempo todo dentro da cabeça.  São  os  processos  involuntários  do  pensar  –  que  acreditamos  que  não  podemos interromper –, manifestando-se como monólogos ou diálogos contínuos.
Você  já  deve  ter  cruzado  na  rua  com  pessoas  “doidas”  falando  sem  parar  ou resmungando consigo mesmas. Isso não tem nada de diferente do que acontece com você e  com  outras  pessoas  “normais”,  exceto  que  vocês  não  falam  alto.  A  voz  comenta, especula, julga, compara, desculpa, gosta, desgosta, etc. A voz não precisa ser relevante para a  situação  do  momento,  pois  ela  pode  estar  revivendo  o  passado  recente  ou  remoto,  ou ensaiando,  ou  imaginando  possíveis  situações  futuras.  Neste  último  caso,  ela  imagina sempre  as  coisas  indo  mal  e  com  resultados  desfavoráveis.  É  o  que  se  chama  de preocupação. Às vezes, essa trilha sonora e acompanhada de imagens ou “filmes mentais”.
Mesmo que tenha alguma relação com o momento, a voz será interpretada em termos do passado. Isso acontece porque a voz pertence à mente condicionada, que é o resultado de toda a nossa história passada, bem como dos valores culturais coletivos que herdamos. Assim, vemos e julgamos o presente com os olhos do passado e construímos uma imagem totalmente distorcida. Não é raro que a voz se torne o pior inimigo de nós mesmos. Muitas pessoas  vivem  com  um  torturador  em  suas  cabeças,  que  as  ataca  e pune  sem  parar, drenando sua energia vital. Essa é a causa de muita angústia e infelicidade, assim como de doenças.
A  boa  notícia  é  que podemos nos  libertar  de  nossas  mentes.  Essa  é  a  única  libertação verdadeira. Dê o primeiro passo nesse exato momento. Comece a prestar atenção ao que a voz diz, principalmente a padrões repetitivos de pensamento, aquelas velhas trilhas sonoras que  você  escuta  dentro  da  sua  cabeça  há  anos.  É  isso  que  quero  dizer  com  “observar  o pensador”. É um outro modo de dizer o seguinte: ouça a voz dentro da sua cabeça, esteja lá presente, como uma testemunha.
Seja  imparcial  ao  ouvir  a  voz,  não  julgue  nada.  Não  julgue  ou  condene  o  que  você ouve,  porque  fazer  isso  significaria  que  a  mesma  voz  acabou  de  voltar  pela  porta  dos fundos. Você logo perceberá: lá está a voz e aqui estou eu, ouvindo-a e observando-a. Sentir a própria presença não é um pensamento, é algo que surge de um ponto além da mente.
Assim,   ouvir   um   pensamento   significa   que   você   está   consciente   não   só   do pensamento,  mas  também  de  você  mesmo,  como  uma  testemunha  daquele  pensamento. Isso  acontece porque uma  nova  dimensão  da  consciência acabou de  surgir.
Quando  você ouve o pensamento, sente uma presença consciente, que é o seu eu interior mais profundo, por  trás  ou  por  baixo  do  pensamento.  O  pensamento,  então,  perde  o  poder  que  exerce sobre  você  e  se  afasta  rapidamente,  porque  a  mente  não  está  mais  recebendo  a  energia gerada pela sua identificação com ela. Esse é o começo do fim do pensamento involuntário e compulsivo.
(O Poder do Agora - Eckhart Tolle)